Local First ou Global First

Desde que comecei a trabalhar com empreendedorismo, tenho escutado investidores discutindo sobre a diferença entre empreendedores brasileiros e empreendedores de outros locais do mundo. De maneira geral os investidores vêem os brasileiros como muito focados no mercado local e com dificuldades de pensar soluções para o mundo.

Isso limita a possibilidade de crescimento desses negócios e por isso resolvi listar alguns pontos que causam esse comportamento de “Local first” e dou algumas dicas de como contornar isso.

1- Mercado interno grande

O que é observado:

Qualquer empreendedor brasileiro, começa com uma grande vantagem a seu favor que é o tamanho do mercado brasileiro. Por mais que existam diferenças entre as várias regiões brasileiras, a verdade é que um brasileiro geralmente conhece todo o país melhor do que conhece outros mercados e por isso, ao criar o seu negócio pensa quase exclusivamente no mercado local, para depois, quando tiver sucesso, sair para o mundo.

Esse comportamento é diferente de locais como Israel ou Argentina, que possuem mercados internos pequenos e precisam pensar globalmente, ou pelo menos olhar para vários países vizinhos ao iniciar os seus negócios. Caso contrário, nenhum esforço vale a pena.

Como lidar contornar esse ponto:

  • Crie cenários de crescimento e se force a pensar em cenários diferentes do tradicional: minha cidade, meu estado Brasil.
  • Crie cenários que seu crescimento será algo do tipo:
    • Capitais brasileiras, capitais da América Latina, grandes centros do mundo;
    • Médias cidades brasileiras, médias cidades de países em desenvolvimento;
    • ou vendas em 5 países, 20 países, 50 países…
  • Compare esses cenários com o crescimento interno e veja o que faz sentido financeiramente e qual a dificuldade de cada estratégia antes de ligar o piloto automático de criar apenas para o Brasil.

2- Língua

O que é observado:

Somos o único país do mundo que fala brasileiro. Sim, falamos brasileiro e não português. As grandes empresas de tecnologia já descobriram há alguns anos que o português de Portugal nos soa estranho e muitos manuais vem com o português brasileiro por exemplo. Culturalmente nós temos muito mais influência em Portugal e nos demais países falantes de língua portuguesa hoje do que o contrário.

Duvida? Fale o nome de 3 apresentadores de TV portugueses ou moçambicanos? Ou 3 bandas? Agora peça para um português, ou qualquer outro país com a língua portuguesa fazer o mesmo.

Associado a isso, a maioria dos nossos vizinhos falam o mesmo espanhol. Claro com as suas diferenças entre cada país, mas que na prática são tão distintos quanto o português falado no Recife e em Porto Alegre.

Isso nos limita porque nascemos em português e seguimos pensando em português até sermos bem grandes, quando finalmente entendemos que o resto do mundo não nos entende.

Como lidar contornar esse ponto:

  • A internet fala inglês, no mínimo nasça com seu site e produtos em inglês também. Principalmente se a sua entrega e ou sua venda forem online.
  • Se possível também nasça em mandarim. A China é responsável por 1 terço da população mundial, não dá para ignorar 1 terço do seu mercado potencial, independente de qual seja ele.
  • Pense em nomes para sua empresa e produtos que sejam mais fáceis de serem pronunciados lá fora. Evite nomes com ã, ç, nh, lh, por exemplo.

3- Regras de burocracia

O que é observado:

Adoramos reclamar da burocracia brasileira mas a verdade é que por pior que ela seja ela nos protege da entrada de estrangeiros. Nossas leis trabalhistas, a confusão de impostos cobrados de maneira diferente entre estados e municípios ou até mesmo setores, faz com seja muito difícil para uma empresa estrangeira entrar no Brasil sem a presença de brasileiros juntos. Isso faz com que alguns mercados não sejam priorizados por empresas de fora deixando espaço para empreendedores locais explorarem e crescerem.

Como lidar contornar esse ponto:

  • É muito mais fácil para alguém que aprendeu a dirigir um carro com câmbio manual aprender a dirigir um carro automático do que o contrário. Da mesma forma é mais fácil para um empresário que lidou com inúmeras dificuldades burocráticas no Brasil expandir seu negócio para mercados mais simples como os Estados Unidos.
  • Faça as contas de onde a burocracia te ajuda sendo uma barreira para novos entrantes e onde ela te atrapalha. Se a sua produção for mais simples ou barata na China, produza lá, se a venda funcionar melhor no Brasil, venda aqui. Se o seu suporte for mais eficiente na Índia, transfira o seu suporte para lá. Hoje existe tecnologia para fazer isso e não só ser uma empresa global mas também ser uma online, se essa for a sua escolha.

4- Mania de copycats

O que é observado:

Temos no Brasil a vantagem de observar o futuro como já comentamos nesse post. Muito do que observamos nos EUA ou na Europa (e talvez hoje na China e Japão), em poucos meses ou anos chega ao Brasil. Da mesma forma que muito do que observamos nas maiores capitais, logo chega as menores capitais ou às médias cidades. Assim, para um empreendedor é mais fácil e seguro se inspirar em um negócio já com resultados positivos em um mercado mais avançado e trazer essa solução para o Brasil, ou para a sua cidade/estado.

O problema é que nos posicionamos sempre como seguidores, e muitas vezes sofremos com a concorrência comum a negócios que já não são tão novos tecnologicamente.

Aliado a esse problema, empresas copycat tem dois destinos comuns: ou são compradas ou engolidas quando a empresa que copiaram chegam no nosso mercado.

Como lidar contornar esse ponto:

  • Existem milhares de problemas locais que as empresas de fora não tem a menor ideia que existem e, exatamente por isso, jamais vão criar uma solução para esses problemas. Os empreendedores locais por sua vez cresceram com esses problemas e não só o conhecem bem, como também conhecem quem pagaria muito para resolver-los.
  • Esses problemas locais, por outro lado, em sua maioria não são exclusividade de um estado ou cidade ou mesmo do Brasil. Muitos são comuns em outros países em desenvolvimento, que também se especializaram apenas em copycats e não estão criando esses negócios disruptivos focados nos problemas locais.
  • Para desenvolver novas tecnologias é preciso no Brasil se associar a centros de pesquisa, que muitas vezes estão ligados a universidades. O problema é que empresas e universidades não falam a mesma língua. Aprenda a conversar com as universidades e você terá uma grande vantagem competitiva.

5- Câmbio sempre desfavorável

O que é observado:

Mesmo com suas altas e baixas o dólar sempre foi (desde o início do plano real) e provavelmente sempre será mais valorizado do que o real. Assim como o Euro. Isso trás um conforto para muitos empreendedores brasileiros porque vira uma barreira para entrada de novos competidores no nosso mercado. Qualquer software por assinatura que custe US$10,00 hoje no Brasil equivale a R$50,00. E mesmo que você esteja lendo esse texto no futuro, com uma taxa mais favorável para nós, ainda assim tenho certeza alguma diferença considerável existe.

Portanto muitos empreendedores brasileiros se limitam a concorrer no mercado interno por preço.

Como lidar contornar esse ponto:

  • Pode parecer óbvio, mas  muitos empreendedores não enxergam que essa vantagem não está restrita ao nosso mercado interno. Ela existe da mesma maneira quando nós vamos para fora. Algo que é produzido aqui pode chegar aos mercados externos por um preço bem menor. E não estou falando apenas de commodities. Nossos softwares de gestão, podem ser usados pelas empresas americanas ou europeias com a mesma facilidade que eles compram no supermercado as nossas laranjas. Basta que desenhemos estratégias de vendas para eles. Imagina que mundo perfeito gastar em real e receber em dólar?

Independente da suas estratégia de Global First ou Local First, não se esqueça que existe um mercado muito maior lá fora.

Por |2022-11-04T10:31:35-03:0028/10/2020|mercado|

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Atuo no mundo da inovação desde 2008. Já atuei em incubadora, consultoria e aceleradora, acelerando mais de 900 startups. Sou formado em Ciências Biológicas e Especialista em Gestão, e por isso gosto de misturar mundos diferentes para trazer mais inovação para o meu dia-a-dia. Coordeno os programas da Troposlab e crio novas metodologias de aceleração, atuando diretamente com mais de 50 grandes empresas. Além disso, tenho um lado nerd (ficção científica, heróis, histórias de aventura, etc).
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