Na sexta-feira (25/01/2019) , acompanhamos atônitos mais uma catástrofe, desastre ambiental, crime ambiental, como queiram chamar. De qualquer modo, mais uma barreira se rompeu. Dessa vez em Brumadinho.
Pelo que se sabe até então, mais de 395 corpos foram encontrados e mais de 226 pessoas continuam desaparecidas. A cada dia, a cada hora, com menos esperanças de serem encontradas.
Entraremos agora em um longo processo de semanas, meses, anos, onde acontecerão as investigações das causas, o julgamento (ou não) dos responsáveis, as discussões sobre os processos de controle, fiscalização e sobre formas de evitar que novos acidentes aconteçam.
Mas o que eu queria relatar agora é o que eu vi nesse final de semana.
Moro em Belo Horizonte, cidade a 60 Km do local do acidente. Por isso acompanhei de perto um processo interessante que eu não havia presenciado em outros acidentes. A rápida mobilização da população em um processo de co-construção coletiva de soluções diversas para o desastre de Brumadinho.
Mesmo em um período tão curto, consegui ver algumas ondas que mostram os efeitos positivos e negativos da alta conectividade que vivemos hoje.
ONDA 1 – A notícia sobre o desastre de Brumadinho se espalha
O fenômeno Whatsapp já é conhecido na sociedade brasileira quando acontecem grandes acontecimentos. Em poucos minutos todos os grupos de Whatsapp, seja os de relacionamento pessoal (grupos de famílias, amigos), seja o de relacionamentos profissionais (grupo do trabalho, grupos temáticos de discussão, etc), estavam discutindo sobre o desastre de Brumadinho.
Uma onda de vídeos, reportagens, áudios, fatos desencontrados invadiu esses grupos. Nos primeiros minutos, reportagens curtas dos grandes portais, vídeos do local e especulações sobre os fatos (1.000 mortos, atingiu o refeitório na hora do almoço, etc).
Nas horas que se seguiram, um misto de notícias mais esclarecedoras com fake news, propositais ou não. Muitos vídeos, alguns realmente do ocorrido e outros tantos de acidentes anteriores de outros locais do mundo compartilhados por inocência e/ou má fé. E por outro lado, os próprios membros dos grupos identificando esses vídeos falsos e diminuindo o seu compartilhamento.
A mídia social é extremamente mais rápida para disseminar as informações, mas na hora de averiguar os fatos todos procuram confirmação nas mídias tradicionais.
ONDA 2- Mobilização de ajudas emergenciais
Na noite do dia 25/01 (dia do acidente) começam os grupos de mobilização para doações de água, alimentos, roupas e dinheiro. As autoridades tentam controlar e centralizar as doações, mas nessa hora é incontrolável. Muitos grupos surgem (em sua grande maioria grupos bem intencionados) para tentar ajudar e assim são arrecadadas toneladas de alimentos, água, roupas.
Tudo isso muito bom, mas nos dias seguintes descobre-se que esses itens não são tão necessários. Pelo menos não naquele momento. Essa não foi uma tragédia com grande número de desabrigados. Foi uma tragédia com grande número de fatalidades.
Na mesma velocidade se descobre da necessidade de psicólogos no local e doações de sangue, e assim a população se mobiliza para esse novo tipo de ajuda.
ONDA 3- Mobilização de ajudas complexas
O universo do Whatsapp é repleto de grupos de discussão temáticos (grupos de engenheiros, biólogos, mineradores, médicos, startups, etc). Quando a primeira onda de ajuda “genérica” começa a perder fôlego, essa nova onda de ajudas mais especializadas começa a ganhar força.
Grupos de engenheiros começam a recrutar pessoas com experiência e/ou capacidade de pensar soluções para salvamento das pessoas ou contenção da lama.
Grupos de biólogos começam a discutir maneiras de medir e evitar um impacto ambiental ainda maior.
Grupos de médicos organizam caravanas de voluntários para atendimento dos feridos e das famílias.
Grupos de startups recrutam especialistas em drones, análise de imagens e vários outros tipos de tecnologia que podem ajudar a encontrar feridos.
E vários, mas vários outros grupos com temas diversos. Muitos desses inclusive “concorrentes” entre si.
Essa ajuda chega rápido ao local da tragédia, mais rápido inclusive que as autoridades conseguem receber, organizar e direcionar essas ajudas. E assim, no primeiro momento, há uma bateção de cabeça. Vi notícias de um grupo pilotos profissionais de drones que se apresentaram como voluntários no local, não havia ainda quem pudesse recebê-los e direcionar a sua ajuda.
Resumindo:
O que tive (estou tendo) a oportunidade de presenciar no episódio do desastre de Brumadinho é como a inovação em rede (onde as soluções surgem de diversas fontes diferentes) tem a capacidade de mobilizar recursos e gerar soluções muito mais complexas e assim resolver problemas complexos com imensa rapidez.
No entanto, é preciso aceitar que esse processo é caótico. Por sua descentralização não está sujeito a controles tão rígidos. Possui uma série de erros no caminho, mas a própria natureza da rede, tende a corrigir esses erros.
Gestores que querem implementar sistemas de inovação aberta devem estar abertos a abrir mão de:
- Controle do processo
- Erro zero
- Clareza nos resultados
E por outro lado podem conseguir:
- Rapidez nos resultados
- Menor custo de operação
- Inovações mais disruptivas
Ou você acha que o coordenador de crise da defesa civil estava contando com a ajuda de programadores do Brasil inteiro criando em um final de semana uma plataforma aberta, verificada por outros desenvolvedores do Brasil inteiro, que ajuda na geolocalização de informação de atingidos, antes e depois do acidente ajudando na localização das vítimas?