O tema empreendedorismo e as startups são sempre relacionados aos negócios digitais, envolvendo tecnologia da informação e, na maior parte das vezes, utilizando a internet e aplicativos mobile como plataformas.. Mas temos uma grande experiência com outros tipos de negócio, e gostamos muito de interagir com pesquisadores de todos os tipos. Então, hoje vamos falar sobre as tecnologias que saem da universidade e são assinadas por grupos de pesquisa, alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado. Vamos falar do ambiente, das tecnologias e das possibilidades de carreira.
Temos circulado nas mais diversas universidades do Brasil e até de outros países, e já tem muitos anos que as mesmas queixas circulam nos corredores e eventos da América Latina: a universidade não é prática e não prepara os alunos para o mercado; o aluno de mestrado e doutorado tem poucas possibilidades de voltar para a universidade como pesquisador; os recursos para a pesquisa estão curtos; não existe carreira de pesquisador, e por aí vai.
Ainda assim, a universidade pública no Brasil concentra a maior parte do conhecimento científico gerado, principalmente conhecimento de relevância. Com todos os seus problemas ainda formamos pesquisadores de qualidade internacional. A revista Nature classificou recentemente o Brasil em 23º lugar em um Ranking de 100 países que considera o volume de publicações científicas internacionais. Estamos produzindo conhecimento de qualidade.
Estamos formando ótimos pesquisadores, mas as oportunidades de carreira deles são questionáveis. A expectativa é de voltar para a universidade pública e continuar fazendo pesquisa, mas não existem vagas para todos. Poucos pensam em todas as alternativas e a universidade faz um péssimo trabalho em apoiá-los e prepará-los para os próximos passos da carreira. A saída para muitos é ir para outros países, fazer pesquisa na Europa, Estados Unidos e Canadá onde os investimentos e valorização tendem a ser maiores. Deixam para trás a família, amigos e muitas vezes alguns sonhos.
ALTERNATIVAS DE CARREIRA PARA O PESQUISADOR
Trabalhar para Centros de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação privados é uma alternativa. Trabalhar como pesquisador na indústria pode ser uma opção muito recompensadora, principalmente para aqueles pesquisadores que querem ver seus resultados transformando vidas, indo pro mercado de fato. Essa opção irá exigir habilidades que vão muito além de seus conhecimentos técnicos.
A relação com o tempo e o nível de pressão também podem ser muito diferentes. Se por um lado os pesquisadores “escapam de ter de dar aulas” nesses ambientes, por outro precisam estar dispostos a ter um cronograma mais apertado, buscar resultados mais concretos para a indústria e seguir um roadmap tecnológico que ele não definiu sozinho. Deverá continuar interagindo com a universidade e fazendo pesquisas em parceria, isso permite ter uma visão interessante de um conjunto de propostas e de onde elas podem chegar.
Outra alternativa, e que queremos explorar melhor, é a de criar negócios de base tecnológica. Negócios como o da Carolina Reis de Oliveira, que fez toda a trajetória Graduação – Mestrado – Doutorado (esse último em Bioquímica e Imunologia) e acabou fundando uma startup de Biotecnologia que está hoje na Califórnia, a One Skin que avalia os efeitos biológicos de produtos para a pele.
Criar um negócio pode parecer muito diferente do que o pesquisador foi preparado para fazer. E de fato é. Mas ele não precisa estar sozinho nesse caminho e há muita gente buscando tecnologias desse tipo, que geram grandes diferenciais de mercado, para empreender ou investir.
Esse caminho não é mais fácil que os outros, e pode ser até mais difícil, mas também pode trazer muitas recompensas e realizações, entre elas transformar o conhecimento em produtos e serviços que mudam a vida das pessoas. Nossa experiência mostra que os pesquisadores que optam por esse caminho vão enfrentar alguns desafios, por isso preparamos algumas dicas para pensar e se antecipar.
DICAS PARA O EMPREENDEDOR DE BASE TECNOLÓGICA
Não fique sozinho mas não espere para começar
A primeira recomendação é que você não fique sozinho. Mesmo que comece a desenvolver sem um sócio, você pode buscar apoio em outras pessoas que entendem mais de negócios, mentores, outros empreendedores. Comece logo a interagir e falar de seus interesses e como pode transformar seu conhecimento em negócio. Isso pode ajudar a refinar a ideia e ao mesmo tempo encontrar pessoas que se identifiquem com suas intenções e que podem se tornar seus sócios. Em médio ou longo prazo, imagine que você terá um sócio com visão de mercado para te ajudar a modelar o negócio, produto e empresa, mas não espere por isso para começar, ao contrário, começar irá fazer você amadurecer sua visão de negócio e vai facilitar encontrar o sócio certo pra esse casamento.
Patente e propriedade intelectual
Ter uma tecnologia patenteada é sensacional no mundo das startups, isso cria barreiras competitivas e valorizam sua empresa. Se você está na universidade, o NIT (Núcleo de Inovação Tecnológica) pode te apoiar. A patente gerada na universidade pode ser explorada pela indústria e isso traz benefícios financeiros para que a universidade pode investir em pesquisa, então gera um ciclo virtuoso para a situação acima descrita.
Independente se você está no processo de patentear ou não, proteger a tecnologia é importante, mas não tenha medo de falar da sua ideia. Principalmente porque você não precisa explicar o “pulo do gato” tecnológico para falar de produto e negócio – mesmo porque a maior parte das pessoas nem vai entender.
Programas que podem apoiar
Atualmente, existem muitos programas voltados para o empreendedorismo de base tecnológica de todas as áreas, dentro e fora do país. Há algumas semanas escrevemos um post sobre “Como aproveitar um programa de Aceleração” você pode ver lá algumas dicas mais específicas, mas por hora é bom que você saiba que esses programas vão te ajudar a desenvolver o negócio, captar investimento, e em alguns casos até te dar estrutura de pesquisa, como é o caso do Indie Bio, na Califórnia. Alguns exemplos: Bio Startup Lab, Fiemg Lab, Bizcool, Climate-kic, e dezenas de outros que você pode pesquisar no google conforme sua área de conhecimento.
Da tecnologia ao produto
Tecnologias não são produtos. Elas são capazes de gerar dezenas de produtos. Se você tem um grande domínio tecnológico, mantenha-se aberto às possibilidades de produtos e serviços que seu conhecimento pode assumir. Ao longo do processo o mercado irá selecionar o que tem maior potencial. Não se sinta “perdido”. Ao contrário, sinta-se com mais cartas na manga!
Além disso, depois de definir um foco ou caminho, é comum um pesquisador acreditar que não está pronto, que ainda existem etapas de pesquisa a cumprir, mas em geral, o que observamos é que os produtos em geral “simplificam” os desafios tecnológicos. Ou, melhor dizendo, com o nível de desenvolvimento tecnológico que você tem, provavelmente já seja possível “empacotar” um produto. Mesmo que você saiba que a tecnologia pode ir mais longe, é preciso produtizar rápido, mas pense que esse será só o primeiro produto!
Ainda nesse caminho de tecnologia ao produto, nem tudo que está sendo produzido no laboratório pode ser replicado em escala industrial. Considere tempo para o desafio de adaptar os testes de bancadas para uma planta piloto e depois escalar. Vislumbrar esses passos te ajudam a moderar as expectativas e entender que você vai precisar de parceiros e investimentos nesse projeto.
Propósito: fazer o bem ou ganhar dinheiro?
Um dos maiores desafios, entretanto, é se assumir empreendedor. É pensar em criar um negócio. Nossa cultura acadêmica ainda acusa muitos pesquisadores nessa jornada de “capitalistas”. Alguns pares podem “torcer o nariz” para você agora, mas o que não pode acontecer é você acreditar que será uma pessoa menos “pura” se ganhar dinheiro a partir do seu conhecimento. Entre fazer o bem e ganhar dinheiro, podemos escolher os dois ao mesmo tempo, pois essa dualidade só existe enquanto discurso.
O que temos observado, é que quando o empreendedor de base tecnológica confia no que está fazendo — e faz com inteligência e propósito — ele consegue até mesmo impulsionar suas pesquisas através da experiência de colocar um produto no mercado, gerando fontes de dados que antes não existiam, observando muito de perto a evolução e resultados dessas intervenções no mundo. É o caso da Ecovec, uma empresa de monitoramento da Dengue que, com mais de 10 anos de mercado, consegue hoje não somente cumprir seu propósito mas também gerar conhecimento científico a partir dos dados monitorados pela empresa.
Para quem está apenas começando a explorar esse caminho, vale buscar mais informações. Ver as empresas que estão surgindo a partir dos programas citados, o impacto que elas têm no mundo, conversar com empreendedores de base tecnológica. Forme sua percepção e levante suas dúvidas. Mas não se subestime e não deixe de pensar nesse caminho de carreira como viável e com desafios na medida certa.