PRECISAMOS FALAR SOBRE A CRISE SOB UMA OUTRA PERSPECTIVA

2017 tem sido um ano de grandes desafios para o Brasil. Após os últimos anos, que foram fracos economicamente e agitados politicamente, estamos lidando com o aumento das tarifas públicas, aumento ainda maior da inflação, que já vinha em ritmo ascendente, aumento nos juros e redução nos investimentos. Esse cenário, acompanhado de uma política de ajustes do governo, trouxe uma onda de pessimismo para grande parte da população e do setor produtivo. De acordo com levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), nos últimos anos o desempenho do setor industrial foi marcado por queda na produção, excesso de estoques, demissões e ociosidade nas fábricas. Para se ter uma ideia, só na Zona Franca de Manaus foram cerca de 15 mil demitidos, e o setor eletroeletrônico que lidera a produção industrial teve queda de 25% na produção.

É perceptível o esgotamento do modelo de desenvolvimento do Brasil baseado no consumo interno. Esse modelo, ancorado no farto crédito e no consumo de produtos e serviços, como smartphones, TVs de LED, computadores e carros trouxe um alto nível de endividamento das famílias e chegou a um esgotamento que vem impedindo o país de crescer. Será que existe esperança nesse cenário, ou seria possível encontrar nas crises também grandes oportunidades? Será que não chegou o momento de pensarmos em novos paradigmas econômicos e tentar trazer nossa economia para dentro da realidade transitória que vivemos?

Viagem no tempo

Vamos nos situar um pouco no tempo e na história econômica. A revolução agrícola ou neolítica marcou a primeira grande mudança de era dos seres humanos: a atividade “econômica” da época deixou de ser a caça e passou a ser o plantio de alimentos. Como qualquer revolução, ela trouxe consigo mudanças sociais como o fim do nomadismo, o conceito de posse e a instituição da família. Entre 1760 e 1840 outra grande mudança de era marcou a história humana. A revolução industrial marcou não só a transição da atividade manufatureira e agrícola para a atividade industrial, como quase todos os aspectos da vida cotidiana. Da educação a quantidade de horas dormidas diariamente, tudo o que fazemos até hoje foi altamente influenciado por essa mudança de era. E daí? O que isso pode ter a ver com a crise atual?

Mudança de época

O modelo econômico atual é baseado na produção em abundância e na necessidade de um consumo também abundante, um modelo que propaga valores que associam a necessidade de ter para ser, e corroborado pela propaganda e pelo acesso ao crédito. Passados quase dois séculos da revolução industrial, chegamos a exaustão desse modelo, e estamos vivendo não só uma crise econômica, mas também ambiental e humana. Estamos no centro de uma mudança de época, baseada na exaustão do modelo industrial e no advento de tecnologias que assim como as revoluções anteriores mudam tudo: a forma como nos relacionamos, como lidamos com autoridade e grandes instituições e porquê não a nossa atividade econômica?

Novos modelos econômicos

O advento de tecnologias tornou possível o aumento do poder do indivíduo em criar e também em questionar instituições, sejam elas políticas, religiosas ou organizacionais. Se antes era necessário trabalhar em uma empresa ou ter acesso a uma grande quantia de dinheiro para criar, hoje já é muito mais fácil e o desenvolvimento tecnológico mostra que se tornará cada vez mais barato. Tecnologias que começaram permitindo que aprendêssemos sobre quase tudo através da internet, e também que criássemos nosso próprio conteúdo, vídeos e fotos. Tecnologia essa que já se expande quando pensarmos em impressoras 3D que permitem que qualquer um tenha capacidade produtiva de uma fábrica, ou na criação de espaços como fablabs onde é possível ter acesso a maquinário de precisão para criar o que quer que seja, ou até mesmo na existência de plataformas de crowdfunding que possibilitam que qualquer um apresente seu projeto e consiga financiamento para colocá-lo no mundo.

Hoje é muito mais fácil fazer, e o que acompanhamos é um movimento maker, de pessoas capazes de criar quase tudo aquilo que necessitam para seu próprio consumo. Um movimento materializado no aumento de hortas domésticas e urbanas e que chega ao seu ápice em projetos como o Tesla do empreendedor Elon Musk. O Tesla objetiva tornar todas as residências geradoras da sua própria energia limpa, tornando-nos independentes de empresas geradoras de energias cada vez mais caras e altamente negativas para o meio ambiente.  

O advento tecnológico e a exaustão do modelo industrial trouxeram ainda a possibilidade de criação de empresas que não seguem a lógica de produção abundante e de grande impacto ambiental. Um exemplo é a plataforma Airbnb que conecta pessoas que tem um espaço disponível em suas casas com pessoas que estão procurando um lugar para ficar, fomentando o compartilhamento e o uso mais inteligente desse recurso. A Airbnb não construiu um prédio sequer, e hoje já vale o dobro que a tradicional rede de hotéis Hilton.

Se nos tornamos produtores daquilo que precisamos, o que acontece com as grandes empresas que baseiam seu modelo de negócios em nos vender aqueles mesmos bens? Se passamos a compartilhar recursos, diminuindo assim a necessidade de comprar para usufruir, o que acontece com a empresa que depende de um grande número de pessoas consumindo para ser lucrativa? Um exemplo prático: o que acontece com a montadora de carros quando eu passo a compartilhar meu carro com outras 2, 3, 4 pessoas?

Muitas das empresas que seguem a lógica industrial já estão em crise, seja por motivos de esgotamento econômico, político ou social, e com ela todos aqueles que baseiam seus lucros em fornecer produtos e serviços para elas. E se pensarmos que estamos no centro da mudança e a tendência é a disseminação de novos modos de consumir, não podemos ignorar que criar novos modelos econômicos que coexistam com empresas de base industrial é uma necessidade. E o principal, essa necessidade de transformação está na mão não só das grandes empresas, mas também desse indivíduo cada vez mais capaz de criar e diversificar nossa economia. O que essa crise e essa mudança de época que estamos vivendo traz de positivo é a possibilidade de mudança de paradigma, de nos assumirmos empreendedores tomando para nós os problemas do mundo como oportunidades para criação de negócios e de uma economia mais consciente.

Por |2022-11-16T09:49:20-03:0010/10/2017|empreendedorismo|

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Atuo no mundo da inovação desde 2008. Já atuei em incubadora, consultoria e aceleradora, acelerando mais de 900 startups. Sou formado em Ciências Biológicas e Especialista em Gestão, e por isso gosto de misturar mundos diferentes para trazer mais inovação para o meu dia-a-dia. Coordeno os programas da Troposlab e crio novas metodologias de aceleração, atuando diretamente com mais de 50 grandes empresas. Além disso, tenho um lado nerd (ficção científica, heróis, histórias de aventura, etc).
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