É importante acelerarmos a digitalização das empresas. Porém, atenção: potência sem controle não é nada.
Há quase dois meses vivemos uma realidade social, familiar e profissional pouco imaginada pela maioria das pessoas. Para uma ampla gama delas, o locus em que se realiza o trabalho e em que se convive com os entes queridos é o mesmo. O que se vê em grande medida é que o conhecido home office deixou de ser uma opção provisória e esporádica. Ele agora é adotado quase como que a única opção.
Inúmeros profissionais têm conseguido se adaptar muito bem a essa nova realidade. Em parte, porque várias empresas (variando desde gigantes multinacionais até mesmo as mais iniciantes empresas de tecnologia) aceleraram seus processos de transformação digital.
A transformação digital pode ser entendida como um processo em que as empresas usam tecnologias digitais para aperfeiçoar sua performance, mudando a forma das pessoas trabalharem, dos produtos e serviços serem desenvolvidos, de se interagir com seus clientes, fornecedores, entre outros aspectos relevantes.
Adotam-se, agora, mais aplicativos para comunicação interna e com os clientes, incentiva-se o uso de webinars para maior aprendizado e troca de experiências, implantam-se softwares mais robustos para gerenciamento à distância dos projetos de inovação, etc.
Uma pesquisa divulgada recentemente pela Inventta revelou que dentre as boas práticas que as empresas estão realizando para sustentar os esforços de inovação no cenário atual está a aceleração dos projetos estruturantes de transformação digital.
Em que pese essa importante constatação, creio que reside aí um primeiro ponto de atenção.
01: Não existe receita mágica (ou os famosos 10 passos para o sucesso) para que as empresas sejam eficientes em seus processos de transformação digital.
O importante, por exemplo, é ser mais ágil e eficiente, conseguir resolver com mais destreza as dores ou problemas do cliente e integrar equipes internas de desenvolvimento dos projetos. Tudo isso de maneira online. Como não existe tal receita, cada empresa tem procurado se transformar digitalmente, ainda que “aos trancos e barrancos”, da maneira que entende mais apropriada.
02: Benchmarking não é cópia: o que funciona para uma pessoa, pode não funcionar para você.
Há também um segundo ponto de atenção. Esse me parece mais grave. Ele está escondido no modelo mental de muitos gestores e líderes nas empresas, que no intuito de acelerar a transformação digital, acabam por cometer um grave deslize.
Em momentos de elevadas incertezas, como o que vivenciamos agora, é muito comum observar que várias empresas copiam as práticas adotadas por empresas concorrentes ou referências. A adoção em si de tais práticas não é um problema. O problema é acreditarem que na ânsia de terem respostas rápidas no momento, as empresas fazem uso do famoso CTRL C + CTRL V. O princípio é simples. Se eu não sei o que fazer, vou seguir o que os outros estão fazendo. Se eu estiver errado, pelo menos não erro sozinho.
Para lidar com esses dois pontos de atenção é importante que os gestores e líderes estejam atentos à cultura de suas empresas. Sabe-se que no processo de transformação digital, como temos visto até o momento, é preciso revisitar a cultura interna. É importante, por exemplo, que as pessoas sejam transformadas, e não apenas as suas ferramentas de trabalho.
Cabe também praticar o desapego. As formas tradicionais de nos reunirmos, de ouvirmos os clientes e de interagirmos internamente nas empresas tendem a ser substituídas. O que funcionou durante muitos anos está passando por profundas mudanças.
Se os gestores de inovação não entenderem a importância da cultura de suas empresas, acredito, por exemplo, que vai continuar ainda sendo penoso lidar com a clássica dificuldade em alinhar os diálogos entre o “time de vendas” o “time da entrega – produção” e o “time de P&D”. Sem uma interação apropriada (agora online) entre as pessoas de tais times, o desenvolvimento dos projetos de inovação ficará mais tortuoso, levando a maiores dispêndios de recursos financeiros, desgastes entre as pessoas, atrasos nos cronogramas, entre outras consequências ruins.
Não adianta nada, por exemplo, uma empresa adotar a melhor plataforma para gerenciar um projeto de inovação, que é capaz de criar gráficos e indicadores lindos, mas pouco aderente à sua cultura. Não funciona achar que se uma empresa referência utiliza determinada plataforma online de gerenciamento de projetos, eu também devo fazer uso e, com isso, terei o mesmo sucesso. Não caiam nessa.
Acelerar um veículo potente é a alegria de muita gente, mas sem controle essa alegria pode se transformar em uma profunda tristeza. Experiências mal conduzidas, que praticamente obrigam os gestores a implementar ferramentas digitais, deixando de lado os aspectos culturais, trazem sérios problemas. Podem, por exemplo, gerar fracos resultados e deixar nas pessoas a percepção de que “inovação não dá certo aqui” ou então, podem criar um trauma que gera resistência para iniciativas futuras mais bem pensadas.