O que é sofrimento mental?
Nos últimos anos tem crescido a nossa preocupação com aspectos relacionados à saúde mental e bem-estar psicológico, e isso se deve ao fato de que a cada ano cresce o número de pessoas adoecidas. O sofrimento mental ou psicológico pode se apresentar de diversas formas, como: ansiedade, estresse, preocupação, angústia, tensão, desesperança, entre outras. Nesse artigo, vamos nos ater especialmente aos impactos gerados por ansiedade, estresse e depressão, que certamente prejudicam nosso bem-estar subjetivo e nossa qualidade de vida. Então, vamos às definições de cada um desses aspectos antes de avançarmos em nossa reflexão.
Ansiedade pode ser entendida como um “estado emocional” desagradável e apreensivo, suscitado pela suspeita ou previsão de que algo ruim acontecerá, para nós ou para os outros. Essa é uma defesa natural do corpo, mas que se torna prejudicial quando nos limita, nos paralisa, e nos impossibilita de fazer algo. Quando chega a níveis muito altos, pode levar as pessoas a desacreditarem de suas capacidades, a se sentirem inferiores e impotentes. Esse estado poderá gerar sensações corporais desagradáveis como vazio no estômago, coração batendo disparado, medo intenso, transpiração, dificuldade de respirar, etc. Em decorrência disso, ainda pode afetar outros campos como diminuição de auto-estima e dificuldade de autocontrole, gerando perdas inclusive na qualidade de suas relações (Gouveia, 2000).
Já a depressão é caracterizada por uma visão negativa do mundo, de si mesmo e do futuro. Pode-se dizer que isso é causado por uma alteração na maneira como a pessoa percebe a realidade, e nesse sentido, poderá se manifestar nas emoções, na capacidade de sentir prazer, e na disposição para suas realizações. De acordo com Reche (2004) existem três fatores principais que podem causar a depressão, que são: genéticos, biológicos e ambientais. Isso significa que existem fatores hereditários, transmitidos pela família, mas que existem casos que o sofrimento mental foi desencadeado por eventos que acontecem na vida das pessoas. Tal estado, faz com que as pessoas sintam-se tristes, desesperançosas, desanimadas e abatidas. Além disso, de acordo com Beck et al. (1997), pode se apresentar de outras formas como: humor triste, falta de prazer com a vida, sensação de falta de valor, sensação de solidão, sentimento de abandono, vontade de estar sozinho, ausência de momentos de alegria, sensibilidade interpessoal à rejeição, indecisão, ansiedade, falta de concentração, hipervigilância, agitação, antecipação de perigo, opressão no peito, irritação, alucinações, lentidão, preocupação excessiva, desesperança, culpa, ilusões hipocondríacas e ideação suicida, passiva ou ativa. Tudo isso, interfere em como a pessoa interage no mundo e prejudica também sua capacidade de realizações.
O estresse pode ser caracterizado por uma manifestação global do organismo, somando aspectos psicológicos e físicos. A alteração causada pelo estresse é capaz de perturbar a homeostasia interna, ou seja, nossa capacidade de manter ou reproduzir o equilíbrio diante de novas situações (Lipp, 2000). Nessa visão o estresse não é uma reação única, mas sim, um processo que geralmente desencadeia reações bioquímicas visando fortalecer o organismo e aumentar sua resposta de adaptação. Além disso, o estresse pode ser caracterizado por três fases, que seriam: alerta, resistência e exaustão (Selye (1976). Pessoas que são submetidas a períodos longos de estresse podem ser impactadas de diversas maneiras, como por exemplo, ter seu sistema imunológico afetado e ficar mais suscetível à doenças de contágio. Ou ainda, vivenciarem sensações como angústia, pressão, irritação, alteração de sono e de peso, alterações hormonais, etc.
Vale dizer ainda que muitos estudiosos gostam de alertar sobre a forte relação existente entre esses três aspectos, e ressaltam que há comorbidade evidente entre eles.
Quais são os impactos gerados pelo sofrimento mental?
Ansiedade, depressão e estresse podem gerar diversos impactos na vida das pessoas e estão relacionados a prejuízos físicos, cognitivos e sociais. Muitas vezes, as pessoas adoecidas nem sequer percebem tais prejuízos e necessitam da ajuda de pessoas próximas para alertar sobre esses pontos. Vamos agora apresentar alguns dos inúmeros prejuízos gerados pela ansiedade, estresse e depressão:
- Memória: é uma das funções mais importantes do ser humano, e é determinante na relação que temos com o meio externo, com a socialização, na construção de nossa personalidade e em nossos comportamentos. Os estados psicológicos afetados por altos níveis de depressão afetam nossa capacidade de reter lembranças e fazem com que vivenciamos mais vezes o esquecimento.
- Atenção: os efeitos prejudiciais da ansiedade são maiores na atenção do que propriamente na memória. Os pacientes com ansiedade são especialmente sensíveis a “fontes” potenciais de ameaça, enquanto os sujeitos normais, perante situações ameaçadoras e competitivas, frequentemente, rendem menos devido à distracção de tarefas ocasionada por pensamentos intrusivos e preocupações (Baddeley, 1999). Sendo assim, pessoas ansiosas tendem a experimentar mais episódios de distração do que as pessoas não ansiosas.
- Sono: dormir é parte fundamental de nossa recuperação e recomposição cerebral. Por isso mesmo, não dormir traz prejuízos diversos para nosso corpo e nossas capacidades cognitivas. E o sono tem relação direta com ansiedade e depressão, de acordo com Coelho et al. (2010), existe uma correlação positiva entre o sofrimento mental e distúrbios de sono.
- Capacidade de aprender: quando as pessoas em sofrimento psicológico começam a apresentar distúrbio do sono, dificuldade de memória, déficit de atenção, elas começam a ter também maior dificuldade para aprender, ou uma aprendizagem pouco satisfatória.
- Relações sociais: quando pensamos nos efeitos colaterais para o comportamento das pessoas (como irritabilidade, baixo auto-estima, desinteresse ou mesmo a sensação de pressão constante), podemos pensar em como isso pode afetar a qualidade das relações que acontecem entre pessoas em sofrimento psicológico. E outro fenômeno que começa a acontecer é o isolamento social. As pessoas passam a não sentir mais prazer em suas interações e faz com elas fiquem cada vez mais solitárias.
Diversos outros efeitos também têm sido relacionados com sofrimento psicológico, e o que parece estar bastante difundido é que o bem-estar mental está atrelado ao melhor funcionamento e ao melhor desempenho possível. As pessoas mais saudáveis são mais produtivas, mais felizes, e mais engajadas socialmente.
Refletindo sobre os impactos para empreendedores
Poucos estudos têm investigado os efeitos de saúde mental nos empreendedores ao longo dos anos, e por isso temos grande dificuldade de apresentar dados e informações sobre esse tema. Mas recentemente, a Troposlab em parceria com a UFMG, realizou uma pesquisa pioneira no Brasil, para apurar os efeitos da pandemia na saúde mental dos empreendedores. Nesse estudo, pudemos perceber que pelo menos 20% dos empreendedores apresentaram algum nível de sofrimento psicológico (mais detalhes podem ser vistos no nosso report ou neste outro artigo aqui).
Por esse motivo, precisamos refletir sobre dois aspectos: (i) os empreendedores também são afetados ao longo de suas jornadas empreendedoras, e; (ii) podem estar vivenciando efeitos colaterais de sofrimento mental nos seus empreendimentos. Sendo assim, é interessante que comecemos a pensar em como o empreendedor adoecido pode enfrentar desafios no seu dia-a-dia que extrapolam desafios de negócios. Abaixo vamos trazer exemplos disso, para nos ajudar a visualizar os alguns potenciais impactos:
- Tomada de decisão: uma das coisas que um empreendedor faz diariamente é tomar decisões importantes. Essas decisões geram impactos para os negócios, que muitas vezes podem ser de curto prazo, outras serão até mesmo de longo prazo. Por esse motivo, é muito importante que a decisão aconteça sem interferências de um estado emocional ou psicológico do empreendedor, que não seja impulsiva ou nem mesmo num nível de percepção pessimista. Bem importante que aconteça também ser estar afetada por necessidades pessoais do empreendedor, sendo ao máximo motivada pelas necessidades do empreendimento.
- Liderança de equipes: é também parte de um bom desempenho empreendedor, uma boa liderança. Liderar a equipe exige mais do que boa capacidade de comunicação ou habilidade de se relacionar com outras pessoas. Depende de estar disponível emocionalmente, vulnerável e aberto. Quando estamos em sofrimento mental, podemos ter essa nossa capacidade impactada, uma vez que, estaremos mais irritados, impacientes, impulsivos e instáveis. Então, é muito importante que a gente observe nossos comportamentos e busque formas de estar bem para sermos o melhor líder que pudermos.
- Análise de oportunidades: todo empreendimento depende das oportunidades que visualiza ao longo de sua jornada, mas nem sempre as oportunidades se realizam como esperamos. Se estivermos experimentando altos níveis de depressão, por exemplo, teremos uma tendência de subestimar as oportunidades, isso porque estamos desinteressados e mais propensos a perceber o mundo sob uma ótica mais negativa. Isso pode nos levar a desistir de projetos, de parcerias, ou até mesmo de nossos negócios.
- Análise de riscos: outro ponto muito importante para o empreendedor é sua capacidade de calcular riscos, afinal, passa boa parte de sua jornada imerso em riscos. Se estivermos experimentando altos níveis de ansiedade, podemos ter essa nossa capacidade afetada, e podemos ficar mais impulsivos, ou até mesmo com medos distorcidos.
- Persistência: o empreendimento dependerá da capacidade do empreendedor, ou do time empreendedor de persistir e aprender com as experiências. Se há interferência de sofrimento mental, o empreendedor terá mais propensão a desistir e maior dificuldade de seguir adiante. Logo, isso trará consequências importantes para o empreendimento.
Poderíamos pensar em outros exemplos de impacto nos empreendedores e no desempenho para o empreendedorismo, mas o mais importante é que a gente perceba o potencial que há nos efeitos de saúde mental. É muito importante que esse tema aconteça também para os empreendedores, assim como já acontece para universitários, profissionais de saúde, pesquisadores, atletas, etc. Assim como esses profissionais, os empreendedores podem encontrar desafios relacionados ao sofrimento mental, e nem sequer perceberem e compreenderem a relação que há entre ansiedade, estresse e depressão, com seus comportamentos, suas percepções, suas ideias. Precisamos seguir abordando o tema e refletindo sobre o quanto tem relação também com o empreendedorismo.
Para saber mais sobre o tema acesse: www.comportamentoempreendedor.com.
Post: https://troposlab.com/saude-mental-empreendedorismo/
Site: https://troposlab.com/
Referências:
- Beck, A. Rush, A.; Shaw, B. & Emery, G. (1997). Terapia Cognitiva da Depressão. Porto Alegre: Artmed.
- Coelho, A.T. Lorenzini, L.M.; Suda, E.; Rossini, S.; Reimão, R. (2010). Qualidade de sono, Depressão e Ansiedade em Universitários dos Últimos Semestres de Cursos da Área da Saúde. Neurobiologia, 73 (1).
- Gouveia, J. P. (2000). Ansiedade Social: da timidez à fobia social. Coimbra: Quarteto Editora.
- Lipp, M.E.N (2000). Manual do inventário dos sintomas de estresse para adultos. São Paulo: Contexto.
- Reche, C. (2004). Essa tal depressão: doença ou resposta? Campinas, SP: Átomo. 2ºedição.
- Selye, H. (1976). Stress without Distress. Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-1-4684-2238-2_9, 07 de julho de 2021.