Na semana passada acompanhamos a Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial 2020, cujo tema pode ser traduzido como “Parceiros para um Mundo Coerente e Sustentável”. A partir de documentos e palestras que, felizmente, conseguimos acessar via redes sociais (viva a Internet e o streaming!), os termos de ordem são variações de “sustentabilidade”, “inclusão” e “pessoas”.
A sustentabilidade aplicada ao mundo corporativo
O conceito de sustentabilidade pode ser visto do ponto de vista econômico e financeiro, em que a empresa precisa gerar os recursos suficientes para produzir, se manter e crescer de forma saudável. Pode também ser visto internamente, ampliando a questão financeira, a partir do olhar para outros setores da empresa e dos stakeholders, por exemplo: quando um gestor se preocupa com a saúde de seus colaboradores e busca promover seu bem-estar, as ações decorrentes repercutem positivamente em vários aspectos – maior retenção de talentos, colaboradores com menor incidência de doenças, maior senso de pertencimento, maior engajamento, maior propensão a assumir responsabilidades na empresa, entre outros fatores positivos.
De maneira mais abrangente, o entendimento de sustentabilidade carrega a noção de que a empresa ou instituição opera no contexto de uma região/sociedade, seja uma operação de abrangência local ou global, considerando o impacto que potencialmente ela gera em fornecedores, clientes, colaboradores e outras redes. Isso acontece pelo poder que ela tem em consumir insumos e disseminar produtos e serviços, a partir da sua operação, atuar eticamente e privilegiando, além da produtividade, o bem-estar. Ou seja, a corporação passa a adotar uma lógica mais “consciente”, mais próxima dos preceitos da sustentabilidade que hoje se advoga.
A empresa passa a ser um agente da “economia circular”, que preza pelo entendimento sobre a proveniência dos insumos utilizados e o resíduo gerado a partir do seu uso; manipulação e descarte; até que ponto esses recursos são finitos e se seu uso ou manipulação torna pessoas ou regiões vulneráveis; e o quanto isso gera pressão social sobre seu negócio. O mesmo raciocínio vale para o produto ou serviço prestado, que passa a ser valorizado por ser usufruído pelo indivíduo, que deixa de ser somente o consumidor final, mas alguém cuja longevidade com qualidade de vida deve predominar sobre o efeito de alguém que acumula coisas.
Desta maneira, sustentabilidade implica a preocupação com as pessoas e seres vivos de maneira ampla e, portanto, pressupõe inclusão e pensamento de longo prazo. O negócio da empresa deve ser capaz de persistir, mas para isso, ele não se mantém o mesmo ao longo do tempo.
Pessoas e instituições estão buscando se ressignificar para que o mundo dê conta de todas as demandas e intervenções que vimos promovendo: a interdependência entre os diferentes agentes de uma sociedade está cada vez mais evidente. A partir da interdependência entre pessoas e entidades, emergem os conceitos de ética, transparência e coerência, e o controle social se torna cada vez mais acirrado, ainda que seja desafiador atuar em consonância com esses preceitos, o tempo inteiro.
Gestão da inovação no contexto da sustentabilidade
O fato é que as empresas estão sentindo na pele a dificuldade de conduzir suas atividades nesse novo contexto. Agora é preciso colocar o cliente no centro, colaborar com antigos concorrentes e trazer fornecedores como parceiros de desenvolvimento. Além disso, é preciso ouvir outras partes interessadas para que sua atuação seja socialmente aceita e, a partir daí, realmente se consolide e sobreviva. É preciso ser empático com os colaboradores, com o meio ambiente e com o mundo.
Parte disso pode ser explicado pelo que alguns autores denominam “customização em massa”, característica da “atividade industrial moderna”. A CNI (2016) utiliza a ilustração abaixo para resumir essa evolução dos modelos de produção na indústria:
A velocidade que esse processo de customização em massa impõe é, ao mesmo tempo, uma premissa e uma decorrência da chamada “nova economia”, ou da “economia do aprendizado” (learning economy).
É preciso alterar a maneira de olhar para os novos negócios, entendendo que, por exemplo:
- O tempo de desenvolvimento de novas soluções é mais curto, já que uma empresa não precisa acumular todo o conhecimento e demais recursos necessários para empreendê-las;
- As métricas de sucesso não se baseiam somente na lucratividade potencial do produto, serviço ou solução: devem incluir medidas de impacto social, ambiental, econômico e regional;
- O cliente nem sempre é quem paga a conta, e quem paga a conta nem sempre entende seu negócio como relevante ou mesmo essencial;
- As estruturas de mercado existem, mas são dinâmicas, de maneira que um oligopólio hoje pode ser um fracasso coletivo amanhã.
Essas mudanças de paradigma (ou essa ampliação da visão coletiva acerca do funcionamento das forças sócio-econômicas) imprimem forte pressão sobre os gestores e líderes de empresas, que precisam promover mudanças desafiadoras, como a “transformação digital” que as indústrias têm buscado. Ninguém domina todas as tendências de mercado, e tampouco detém todas as habilidades desejáveis para fazer a gestão desse processo. Naturalmente, é preciso se cercar de talentos complementares para avançar.
Nesse sentido, as metodologias que tratam da gestão da inovação vêm sendo aprimoradas (falamos sobre algumas delas aqui e aqui), se aproximando cada vez mais do modus operandi das startups, cuja característica marcante é a flexibilidade para promover mudanças (para inovar!), e a capacidade de testar novas soluções em potencial, com o mínimo possível de tempo e dinheiro. Essa dobradinha – testar rápido e errar barato – tem revolucionado alguns mercados e barateado a adoção de tecnologias também em indústrias de base tradicional.
O link da “sustentabilidade” de longo prazo com a capacidade de inovar não é óbvio, mas deveria ser um direcionador para os gestores de hoje.
A aplicação das “metodologias ágeis” visa construir uma visão o mais ampla possível do novo negócio, aliada a uma rápida validação de mercado (e sucessivas iterações que sejam necessárias), permitindo um desenvolvimento enxuto (lean). Mas sua utilização não é trivial: é preciso engajar times de desenvolvimento, promover integração entre áreas que muitas vezes não conversam, envolver parceiros e clientes, e colocar o colaborador para protagonizar a orquestração de um novo negócio que não é necessariamente “dele”. Desta maneira, as ferramentas e práticas que promovam a gestão da inovação tecnológica procuram facilitar a aplicação das premissas da chamada “economia do conhecimento”, quais sejam: colaboração, trabalho em rede, inovação, valorização dos “recursos humanos”, valorização do intangível em detrimento dos ativos físicos.
Em suma, um mundo “coerente e sustentável” exige pessoas conscientes do espaço que ocupam, do poder transformador que possuem – sozinhas e em grupos – e da sua respectiva capacidade de valorizar e potencializar talentos, habilidades e recursos disponíveis, estejam eles sob sua gestão e propriedade ou não. Fazer negócios nesse contexto pode ser mais complexo, dado o número ampliado de dimensões a serem consideradas, mas é possível e necessário.
Quaisquer semelhanças com o comportamento empreendedor e com os paradoxos da inovação tecnológica não são mera coincidência.