Pensar na inovação em organizações vai além de definir programas e desenvolver novos produtos. É preciso entender e sistematizar como ela consegue gerar valor para o negócio. Existem diversas definições de inovação na bibliografia, uma das mais recentes, e que sintetiza bem, é a de Hargadon: “A inovação é mais do que ter boas ideias, é o processo de fazê-las evoluir a ponto de terem uso prático” (How Breakthroughs Happen, Harvard Business School Press, 2013).
Entendendo que para inovar é necessário gerar boas ideias e colocá-las em prática, identifica-se um fluxo ou cadeia de valor da inovação dentro das empresas. Dessa forma, identificam-se fases, elementos e atividades para a inovação, além de estratégias para aumentar a capacidade de inovar. Com base no estudo realizado por Morten Hansen e Julian Birkinshaw, trazemos algumas reflexões relevantes para um bom planejamento e estruturação da inovação em grandes empresas.
“Quero me tornar uma empresa inovadora!”
Hoje em dia diversas grandes empresas querem chegar ao posto de “empresa inovadora”. Em alguns casos há comparações. Geralmente, surgem perguntas do tipo “Por que não somos melhores em inovar?” e “O que estão fazendo de diferente da empresa x?”. A partir disso, começa a busca pela “fórmula” ou “receita” para inovar:
- gerar novas boas ideias;
- buscar por parceiros e conceitos fora da empresa;
- definir diferentes mecanismos de financiamento;
- proteger os novos e radicais negócios diferentes do antigo;
- aprimorar a execução.
Pronto: agora o gestor, head ou gerente de inovação tem o que precisa para fazer a organização inovar. Infelizmente, não é bem assim. Segundo a pesquisa de Hansen, essas dicas para a estratégia de inovação têm como premissa que todas as empresas enfrentam os mesmos desafios e obstáculos para desenvolver novos produtos, serviços ou linhas de negócios. Em vez de importar as práticas mais atuais de outras empresas, deve-se, primeiro, entender e considerar a existência de um processo de geração da inovação interno. Ou seja, identificar obstáculos, barreiras e formas de superá-los.
O framework
Hansen e Birkinshaw chegaram a um framework para as empresas identificarem obstáculos e direcionarem esforços à resolução dos problemas: eles elaboraram a Cadeia de Valor da Inovação. Essa cadeia é resultado de cinco longos projetos de pesquisa realizados na última década, que contaram com entrevistas de mais de 130 executivos em mais de 30 multinacionais. Além disso, avaliaram 4000 colaboradores em cargos não executivos em 15 multinacionais por meio de questionário. Também, analisaram a eficácia da inovação em 120 projetos de desenvolvimento de novos produtos e 100 unidades de negócios corporativos.
Após as análises, os autores perceberam que a cadeia de valor da inovação apresenta-se em três fases sequenciais: geração da ideia, desenvolvimento da ideia e difusão dos conceitos desenvolvidos. Em síntese, os gerentes precisam desempenhar seis tarefas críticas, que são:
- busca interna;
- busca entre unidades;
- busca externa;
- seleção;
- desenvolvimento;
- propagação da ideia para toda a empresa.
De modo geral, se a empresa performa bem em alguma dessas tarefas, esse é um ponto forte ou fortaleza> Do contrário, se performa mal, esses são os pontos fracos da cadeia.
A cadeia de valor da inovação
Enxergar a transformação de ideias em outputs comerciais como um fluxo integrado (Figura 1) é vital para que a geração da inovação. Sobretudo, assa habilidade deve ser adquirida pelos executivos. Ter clareza sobre as atividades e desafios em cada uma das três fases ajudará a empresa a aprimorar a inovação e direcionar esforços em melhorar os pontos mais fracos da cadeia. Abaixo, trazemos algumas atividades e desafios de cada uma das fases, que foram observadas por Hansen e Birkinshaw.
Geração de ideias
O objetivo é desenvolver e encontrar boas ideias. Normalmente buscar e gerar ideias internamente é o primeiro passo para isso. Em segundo momento, busca-se a geração de ideias cross-units em outras unidades da companhia. Dessa forma, será possível ter a complementação de diversas visões e percepções, o que eleva o nível de inovação.
Ainda assim, as companhias precisam gerenciar as suas fontes de ideias para obter insights e conhecimentos de atores de fora da organização. Por exemplo, universidades, consumidores, usuários finais, empreendedores e fornecedores. A busca por ideias é um desafio para muitas empresas, principalmente para aquelas que têm um setor de P&D. Sobretudo em razão da síndrome do “não foi criado aqui” ou da crença de que as ideias de fora não são tão boas como as ideias internas.
Conversão de ideias
Algumas empresas têm alta capacidade em gerar boas ideias. Entretanto, elas têm dificuldade no passo de conversão dessas ideias. Principalmente em triar e criar mecanismos de investimento a fim de que as ideias prosperem e se tornem novos conceitos.
Diversas empresas que falham nessa fase têm orçamentos curtos, pensamento convencional e critérios de financiamento estritos. Isso tudo combinado resulta no fechamento de projetos para essas boas ideias. Além do aumento da desmotivação dos empregados e da redução da geração de novas ideias.
Ademais, outras companhias apresentam um problema inverso: transformam as ideias em projetos, mas esses projetos são mal selecionados. Consequentemente, muitos projetos com variado nível de qualidade e sem alinhamento claro com a estratégia da empresa são escolhidos.
Nessa fase de conversão é preciso ter clareza: não importa quão bem-feita é a seleção e o financiamento dos projetos, as ideias precisam se tornar produtos, serviços ou processos que gerem retorno do investimento para a empresa.
Difusão de ideias
As novas ideias transformadas em conceitos após a fase de geração, seleção, financiamento e desenvolvimento ainda precisam da aprovação da companhia, e não somente dos clientes. A corporação precisa estar preparada para suportar e disseminar os novos produtos, serviços ou processos em localidades, canais e nichos de mercado desejáveis. Em algumas multinacionais, essa disseminação pode não ocorrer de forma automática, o que gera um delay na entrada no mercado, na obtenção de novos clientes e vantagem competitiva.
Direcionando os esforços
Normalmente, quando os gerentes de inovação são questionados sobre a capacidade da empresa de inovar, tendem a ressaltar pontos positivoss da companhia: “Nós somos muito criativos” ou “Somos capazes de desenvolver produtos com rapidez”. Entretanto, esse enfoque faz com que as fraquezas não sejam trabalhadas e melhoradas. Isso leva à intensificação dos gargalos na cadeia de valor da inovação. Por isso, é importante que os executivos e gerentes de inovação olhem analiticamente para a cadeia de valor.
Por exemplo, uma empresa com alta capacidade de geração de boas ideias e desenvolvimento de produtos pode desperdiçar todo o investimento caso a capacidade de difusão da ideia não leve o produto ao mercado. Todo esse esforço será em vão caso uma parte da cadeia de valor da inovação seja deficiente.
Hansen e Birkinshaw (2013) indicam que os gerentes precisam parar de direcionar todos os esforços a fortalecer as capacidades de inovação core. Eles precisam se concentrar em fortalecer os pontos mais fracos da cadeia. De fato, o estudo sugere que a capacidade de inovação das companhias está relacionado ao ponto mais fraco delas.
Identifiquei os pontos fracos, e agora?
A partir da pesquisa, identificam-se três pontos típicos mais fracos e algumas boas práticas que podem lhe ajudar. É importante ressaltar que as dicas de boas práticas não se aplicam a todas empresas. Isso porque cada organização tem particularidades em relação aos seus desafios e soluções.
Fase 1: poucas ideias geradas na empresa
Você já se perguntou por que algumas empresas têm dificuldade em gerar boas ideias? Conexões inadequadas são uma possível resposta. Algumas empresas têm dificuldade de gerar conexões de qualidade com atores externos ou entre setores internos. Isso ocorre porque alguns indivíduos interagem imediatamente com pessoas próximas, normalmente da mesma área ou setor.
Nesse caso, a companhia constrói uma rede externa de conexões. Isso para desenvolver solução para um problema específico ou a fim de obter insights de tecnologias e setores diferentes. Outra sugestão é fortalecer a interação entre pessoas de diferentes setores para que elas se conheçam. Isso facilita o diálogo, e o brainstorming ajuda na construção das ideias.
Fase 2: baixa conversão de ideias em projetos
Chegamos na fase de conversão de boas ideias em produtos, serviços ou processos. Mas você já se questionou por que algumas empresas têm dificuldade na conversão? A maioria das companhias já tem um sistema interno para gerenciar novas ideias. Entretanto esse sistema é incapaz de identificar e selecionar as boas ideias inovadoras. Ou a quantidade e diversidade de pessoas envolvidas aumenta a burocracia e aumenta a aversão ao risco. Isso leva à paralisação.
Neste caso, duas práticas de inovação para manter a execução da ideia são indicadas: constituição de multicanais para financiamento e criação de espaços seguros (safe havens). A aversão de um chefe, tomador de decição, à proposta é um risco.
Portanto, indica-se a criação de diversas opções de canais de investimento para novas ideias, que se desviem do alcance imediato do chefe e viabilizem acesso de capital semente até o escalonamento. Além disso, outra opção é o safe haven: ambiente independente da estrutura formal da empresa com estrutura gerencial mais adequada ao desenvolvimento da nova ideia.
Fase 3: dificuldade em difundir a nova ideia
Agora temos um novo produto, serviço ou processo gerado a partir de uma boa ideia. Então chegou a hora de difundir essa novidade pela empresa e começar a implementação. Entretanto, em alguns casos, principalmente em multinacionais com estrutura descentralizada, por que há dificuldade para adifusão dessa novidade?
Geralmente, no caso de organizações descentralizadas, os gerentes têm autonomia e o poder de recusar a nova ideia ou agir para atrasar ou sabotar o novo projeto. Assim, indica-se que a companhia tenha agentes internos para disseminar a nova ideia. Isso para convencer os outros colaboradores sobre os benefícios do produto ou negócio emergente. Essas pessoas são chamadas de evangelizadores de ideias (idea evangelist).
Rather than reflexively importing innovation best practices, managers should adopt a tailored, end-to-end approach to generating, converting, and diffusing ideas. (HANSEN, 2013)
Aprendizados sobre a cadeia de valor da inovação
Transformar novas ideias em produtos ou serviços no mercado não é trivial. É necessário, principalmente para os gerentes de inovação, mapear e acompanhar constantemente a cadeia de valor da inovação. Assim, identificam-se os pontos fortes e fracos da cadeia. Além disso, é importante direcionar esforços para aprimorar as fraquezas e diminuir os gargalos no desenvolvimento das ideias.
Ao mesmo tempo que as companhias apresentam um fluxo macro mais generalista de três fases, percebe-se, nas micro atividades, as particularidades de cada empresa. Isso precisa ser levado em consideração no momento de desenvolvimento da estratégia de fortalecimento do ponto fraco na cadeia.
Ou seja, cada empresa precisa definir o que é considerada uma boa ideia, uma ideia trivial e a proporção de novas ideias internas em comparação com ideias externas. Também é importante que o gerente de inovação direcione as novas contratações para preencher os gaps de habilidades e experiências.
Definir a estratégia de inovação de grandes corporações demanda planejamento. Isso para reduzir os riscos e aumentar a taxa de sucesso da inovação. Entender a cadeia de valor da inovação e construir formas de acompanhar periodicamente o desempenho é essencial para a sustentabilidade das práticas de inovação.
Por fim, é importante que o time tenha as competências e habilidades para assumir essa responsabilidade e garantir a boa execução das atividades. Você sabe qual é a cadeia de inovação da sua empresa e quais os seus pontos fracos?
Se precisar de ajuda para identificá-la, entre em contato conosco.