Em junho comemoramos o Mês do Orgulho LGBTQIA+, movimento voltado para a geração de visibilidade sobre as causas e vivências de pessoas de diferentes gêneros e orientações sexuais, celebrando a diversidade e toda a luta social por equidade. A cada ano, durante esse mês a causa tem recebido mais e mais apoio por parte de diversas empresas e setores relevantes da sociedade, através de campanhas publicitárias inovadoras, posicionamentos em favor da diversidade, além do suporte para ações sociais envolvendo essa população. Debates sobre o orgulho LGBTQIA+ e a diversidade são fundamentais, e colaboram com a inovação.
Contudo, ao entrarmos em julho, muitas das mesmas empresas que demonstram apoio à causa ao longo do mês anterior acabam por deixar o tema de lado, abordando-o novamente só no ano seguinte. Com isso, perdem a oportunidade de avançar no entendimento e amplitude do tema, que deve ser cada vez mais incorporado à cultura das empresas. Há pouca clareza para diversos líderes sobre como a promoção da diversidade e equidade gera avanços tanto para a sociedade, quanto para seus negócios. Muitos também não entendem qual seria o papel de suas empresas no apoio ao movimento, o que devem considerar para promover diversidade de maneira efetiva e o que diversidade e o orgulho LGBTQIA+ têm a ver com outros temas, como a inovação.
Reforçando a necessidade de que esse assunto possa seguir sendo abordado ao longo do ano todo, não só em Junho, elaboramos um conteúdo especial a respeito, aliando empreendedorismo e inovação à diversidade. Neste post, você entendará melhor a importância e as oportunidades de uma promoção ativa de diversidade nas organizações, alguns fatores a serem considerados para a incorporação dela na cultura da sua empresa, e como tais ações podem gerar não só resultados de inovação para seus negócios, mas também um alto e positivo impacto sociocultural.
Entendendo a importância do Mês do Orgulho LGBTQIA+
Para compreender a relevância do mês de junho para a luta LGBTQIA+, é importante recuperarmos alguns fatos históricos importantes em torno desse movimento.
Em 28 de junho de 1969, a comunidade LGBTQIA+ de Nova York promoveu uma série de manifestações perante a violência e opressão que vinham sofrendo nas mãos de policiais. Naquela época, algumas orientações sexuais e expressões de gênero eram consideradas crime por “conduta indecente”. Os protestos ocorreram após frequentes ataques policiais ao bar Stonewall Inn, um dos poucos lugares em que pessoas de diversas cores, gêneros, classes sociais e orientações sexuais podiam se reunir sem medo de sofrerem repressões apenas por serem quem eram. O movimento ficou conhecido, então, como a Revolta de Stonewall, na qual a população LGBTQIA+ local decidiu lutar contra toda a dor e humilhação sofrida, buscando ter o direito de existir livremente assim como pessoas heterossexuais, recebendo o mesmo tratamento enquanto seres humanos, perante à lei e sociedade. Essa mesma luta ainda se faz necessária hoje, mais de 50 anos depois, em todo o mundo.
Tendo a Revolta de Stonewall se iniciado em junho de 1969, o mês se tornou, então, representativo do início de toda a luta histórica da comunidade LGBTQIA+ por visibilidade e igualdade de direitos.
Desde 1969 para cá, houve uma série de mudanças sociais geradas a partir do movimento LGBTQIA+, principalmente no ambiente corporativo. Um dos eventos mais importantes para a consolidação da luta nesse contexto foi o lançamento do guia “Padrões de Conduta para Empresas”, elaborado pelo Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com o Instituto para Direitos Humanos e Empresas, em 2018. Esse guia visa apoiar as empresas tanto na revisão das políticas e práticas existentes, quanto na criação de novas condutas que respeitem e promovam os direitos humanos de pessoas LGBTQIA+. O projeto chamou a atenção de diversas empresas para abordarem um tema fundamental: a importância de ações sobre a cultura organizacional para uma boa recepção, de fato, à diversidade.
A relevância da diversidade e do orgulho LGBTQIA+ para a cultura de inovação
Falar abertamente sobre diversidade sexual e de gênero no ambiente corporativo ainda é um “tabu” em muitas empresas. Entendemos que quebrar a inércia e o silêncio, e se posicionar como uma organização que entende, defende e vivencia as causas LGBTQIA+, incluindo esse posicionamento em sua cultura e em seus processos, é um grande desafio.
O mês de Junho vem para lembrar também ao universo empreendedor sobre as lutas e necessidades de mudanças efetivas de comportamento relacionados ao respeito às diversidades. Vemos muitas empresas colorindo suas logomarcas com a bandeira que representa a comunidade LGBTQIA+ e trazendo discussões relevantes, dando visibilidade a quem vive as dificuldades e preconceitos diariamente na pele. No entanto, os obstáculos de quem não se encaixa nos padrões de heteronormatividade não acontecem apenas em um mês do ano, e sim durante toda a vida, fazendo-se necessária uma profunda mudança na cultura organizacional de empresas, para que haja um real e duradouro impacto positivo para o cotidiano dessa população.
Esse conjunto de valores éticos e morais, hábitos, comportamentos e políticas internas e externas, e que funciona como um sistema compartilhado de significados, é o que determina o que é considerado “a forma certa de agir” entre os colaboradores de uma empresa. Tendo em vista o tempo despendido na empresa e a riqueza do ambiente organizacional, é possível que mudanças culturais bem trabalhadas tenham um impacto na formação humana, sendo levadas para a vida privada. Essa é a responsabilidade e o desafio para o qual convocamos a pensar em termos de cultura organizacional.
De acordo com Marco Kisil, no livro “Gestão da Mudança Organizacional”, os aspectos culturais de uma empresa precisam passar por modificações para que o negócio sobreviva e se desenvolva. Ademais, a diversidade tem um efeito que não é tão amplamente discutido e estudado na cultura das empresas: trazer diferentes repertórios e vivências para uma organização também propicia uma cultura organizacional de maior capacidade de mudança e adaptação, sendo esta uma vantagem competitiva muito importante em um mundo em transformação, ainda mais quando usamos da diversidade para a superação de crises, nas quais as empresas precisam acompanhar, reagir e até mesmo determinar o futuro. A diversidade traz consistência para as reflexões, posicionamentos e decisões nesse cenário de incertezas e mudanças contínuas em que vivemos atualmente. Podemos dizer, então, que a diversidade potencializa a inovação, podendo se tornar uma das maiores forças de sua empresa.
Por tais motivos, entendemos que é compreensível, mas não adequado, manter um posicionamento superficial quanto ao apoio à diversidade, sendo tal superficialidade insuficiente tanto como marketing e endomarketing, quanto em termos de desenvolvimento da cultura, do negócio e da inovação. Sobretudo, essa situação pode gerar um efeito de desconfiança e desconexão por parte de seus colaboradores, e até mesmo por parte dos consumidores, ao perceberem inconsistências entre o que a empresa divulga publicamente e o que promove (ou deixa de promover) em suas práticas internas.
Nesse sentido, ações como criação de banheiros de acordo com a identidade de gênero, uso de crachá com nome social e mudança de logo nas redes, por exemplo, podem ser o início de um grande passo para acolher diversidades, sinalizando que ações concretas estão sendo feitas para isso. Essas ações, no entanto, estão ainda distantes de fazer com que a empresa seja, de fato, um ambiente livre e acolhedor para identidades diversas. São ações importantes, mas ainda superficiais em termos de tornar o ambiente de trabalho favorável às trocas legítimas, desbloqueando o potencial humano. Sendo assim, é necessário criar algumas estratégias para dar voz e oportunidade para todas as pessoas.
Como promover o acolhimento à diversidade?
Para além do entendimento sobre a importância da promoção da diversidade para gerar inovação, um dos maiores desafios atuais para líderes de empresas é justamente entender como gerar e alimentar um ambiente legitimamente favorável e acolhedor às diversidades. Sendo este um tema mais “recente” para o cotidiano corporativo, ainda está sendo construído e entendido melhor por empresas que buscam estratégias que podem favorecer a cultura organizacional nesse sentido. Para contribuir com essa discussão, levantamos algumas ações individuais e estratégias organizacionais que podem contribuir para um real acolhimento às comunidades LGBTQIA+,propiciando a diversidade e, por consequência, favorecendo a inovação:
Preparar o ambiente e a cultura da empresa para o respeito e inclusão.
Muitos líderes estratégicos buscam trazer perfis diversos para suas empresas, sem antes considerar se já existe uma cultura e ambiente preparados de fato para receber pessoas de diferentes orientações sexuais e de gênero dentro da empresa. Para isso, é importante estabelecer e reforçar claramente aos colaboradores os valores da empresa em termos de respeito às diferenças no ambiente de trabalho, garantindo que todos possam estar de fato alinhados com tais valores.
Promover espaços de debate entre colaboradores sobre questões de diversidade sexual e de gênero e respeito às diferenças, dando o espaço para pessoas que vivenciam as dores da comunidade em questão no ambiente corporativo também pode ser uma importante iniciativa nesse sentido. Muitas questões específicas a da comunidade são desconhecidas por quem não faz parte dela, sendo importante que ocorram momentos de troca entre todo o time sobre esses fatores: tanto para gerar maior empatia e sinergia, quanto para estabelecer ações e valores que assegurem os direitos de colaboradores LGBTQIA+.
Além disso, outra forma de preparar esse ambiente é o cuidado com os processos seletivos da empresa. Existem alguns estudos que evidenciam a presença de vieses desfavoráveis à contratação de pessoas LGBTQIA+ em alguns processos seletivos. É importante lembrar sempre do Padrão de Conduta da ONU (pag. 9) que diz sobre ‘Eliminar a discriminação no local de trabalho’, algo que deve começar desde o processo de contratação.
Enquanto RH de uma empresa, é importante conhecer bem as diferentes facetas de cultura organizacional e ajudar as lideranças de forma prática, descrevendo o que repele e o que acomoda a diversidade. São os líderes de uma organização que replicam a cultura e as novas práticas, sendo importante criarem juntos ações voltadas para a promoção do sentimento de pertencimento de seus colaboradores.
Todos esses aspectos podem contribuir para que uma empresa se torne mais inclusiva, e assim proporcione verdadeiramente um ambiente seguro para todas as pessoas. No entanto, isso não é completamente suficiente ainda, há muitas outras alternativas a serem estudadas e implementadas. É fato que colaboradores são mais criativos, inovadores, eficientes e comprometidos quando encontram ambientes que proporcionam segurança e acolhimento, por isso a diversidade e o orgulho LGBTQIA+ são relevantes dentro do universo da inovação. Além disso, todos se sentem mais autoconfiantes e são mais autênticos quando suas identidades não estão sendo julgadas ou ameaçadas, proporcionando uma conexão e um relacionamento saudável com o trabalho.
A luta não acaba aqui.
Esse texto foi co-construído pelo time Tropos para o mês de Junho. O processo foi rico, com muito debate, reflexão e compartilhamento do conhecimento do time de uma forma emocionante! Durante a produção, dúvidas, ideias e vulnerabilidades vieram à tona, sendo acolhidas e trabalhadas para gerar mais insights e nos fortalecer como indivíduos em desconstrução, e a favor de uma liberdade verdadeiramente igualitária. Esse é um processo que nos expande enquanto seres humanos, porque nos ensina sobre o amor, empatia e sobre o nosso próprio potencial de aprender e nos renovar. Não queremos fazer isso só em Junho, mas sim todos os dias!