Se tem uma variável que precisa ser cuidada e observada num processo empreendedor é a variável comportamental. Não conseguiremos grandes resultados sem que tenhamos bem desenvolvidos os comportamentos que nesse contexto receberam o nome de “habilidades empreendedoras”. Já falamos sobre esse tema algumas vezes aqui no blog, enumeramos dicas para quem quer iniciar um processo sistemático de autoconhecimento, e gostaria de desenvolver suas habilidades de motivação, realização e relação no empreendedorismo. E depois de falar sobre as habilidades que podem estar em falta, é fundamental ressaltarmos o quanto é importante discutirmos também as habilidades empreendedoras em excesso e como geram impactos negativos para seu empreendimento.
Excesso de habilidades empreendedoras – uma armadilha comum
Parece contraditório dizer que uma habilidade gera impactos negativos, mas é isso mesmo que pode acontecer. Na perspectiva da análise do comportamento (abordagem psicológica orientada pelo Behaviorismo), em que comportamento é um processo, existe sempre a premissa de que, se uma resposta comportamental está acontecendo em altas frequências, é porque ela trouxe ou traz consequências positivas para quem se comporta. Logo, a habilidade em si, seria algo positivo, e que traria consequências positivas para os empreendedores. Mas então, quando isso pode mudar?
1) O momento em que a gente aprende um novo comportamento ou uma nova habilidade pode ser diferente do momento que a gente está vivendo atualmente. Mas é natural que a gente insista no padrão antigo porque foi justamente ele que nos trouxe até aqui. Se ele deu certo e trouxe resultados importantes, é interessante que eu passe a repetir esse comportamento em outros momentos. Contudo, é importante estar atento para o momento em que isso muda. O que deu certo no passado pode não dar certo no presente e nem no futuro. Nem todo comportamento gera consequências positivas em todos os momentos. E um primeiro efeito colateral disso pode ser justamente a resistência à mudança.
Exemplo dessa situação: Quando uma empresa quer mudar, quer inovar e quer crescer, ela vai precisar mudar os seus padrões de comportamentos (provavelmente muitos deles), mas isso vai totalmente contra o que garantiu sucesso dela até aqui. E o que normalmente acontece é uma resistência, até inconsciente, perante as mudanças necessárias. O desconforto é tão grande que muitas vezes esse processo leva anos para acontecer.
2) Outro aspecto que nos leva a uma situação de prejuízo a partir de uma habilidade tem a ver com o primeiro ponto, mas trata-se da frequência do comportamento. Outro efeito colateral é o excesso de emissão do comportamento que gerou impactos positivos no passado. Isso acontece por dois motivos: i) o primeiro é gerado pelo viés da pessoa que se comporta, em que ela passa a perceber somente as consequências positivas do comportamento excessivo e não mais percebe os efeitos negativos gerados; ii) o segundo tem a ver com a magnitude do impacto positivo, no qual em algum momento o comportamento pode ter gerado um resultado importante demais para quem se comportou e ele ganha um valor muito grande na vida dessa pessoa.
Exemplo dessa situação: em algum momento o empreendedor precisou arriscar o trabalho que tinha em sua carreira para começar uma jornada de empreendedorismo, e isso dá muito certo. Ele se sente mais realizado, mais feliz, e mais alinhado com seu propósito. E ele aprende que arriscar é importante e que pode levar a lugares e resultados diferentes, mas começa a se arriscar em tudo, em excesso, e acaba não percebendo os impactos negativos disso. Vemos alguns exemplos disso dentro do empreendedorismo a partir dos excesso de habilidades empreendedoras.
Excessos de habilidades empreendedoras e seus impactos
Para ter uma visão mais prática do ponto que estamos propondo neste texto, abordamos aqui algumas habilidades empreendedoras que podem estar ocorrendo em excesso e quais impactos observamos ao acompanhar empreendedores no caminho de seus negócios:
- Persistência: essa habilidade é importante porque no empreendedorismo sempre haverá muitos desafios e muitas incertezas. E é preciso seguir adiante mesmo depois que algumas estratégias não forem efetivas. Contudo, o excesso de persistência pode levar a uma teimosia ou insistência na direção de algo que não deu certo e que não vai dar mesmo. É uma das habilidades com mais risco de existir em excesso no empreendedorismo, justamente porque dificilmente o empreendedor vai acertar na primeira tentativa. Sendo assim, o mais importante seria buscar formas de sempre avaliar o que deu errado porque a estratégia foi ruim; e o que deu errado porque o objetivo é ruim.
- Autoconfiança: sem autoconfiança provavelmente o empreendedor adiaria ou deixaria de interagir com muitas oportunidades importantes para seu negócio ou projeto. É natural que o empreendedor não se sinta preparado para alguns desafios que surgirem, e quando aprende a acreditar em si mesmo, o seu processo passa a ser mais confiante e ousado. Contudo, o excesso dessa habilidade pode levá-lo a um estado de arrogância, em que ele se sente preparado para tudo que diz respeito ao seu empreendimento. Como consequência, ele para de aprender, para de perceber suas fraquezas, para de escutar, e quer apenas propor, falar e, em alguns casos mais extremos, fica até mesmo autoritário. Nesse sentido o empreendedor precisa entender que ele nunca vai estar pronto para tudo ou que ele vai saber mais do que todo mundo em todas as situações, e que quando ele deixa de ouvir, ele deixa de avançar.
- Comprometimento: o empreendedor que não se compromete dificilmente colhe bons resultados em suas ideias ou projetos. Esse é um comportamento que vai garantir a consistência, a robustez, a profundidade e a sustentabilidade dos empreendimentos. Entretanto, o excesso de comprometimento pode levar a um estado em que o empreendedor se mistura com o empreendimento, ou que isso passa a ser a única coisa importante para ele. Nesse sentido, o empreendedor busca realizar-se exclusivamente com seu trabalho. É comum nesses casos que as pessoas percam relações importantes, percam a capacidade de enxergar outros aspectos de sua vida, e alimentem uma interação adoecida com o empreender.
- Coragem para os riscos: ao contrário do que muitos pensam, o empreendedor não é aquele que se diz corajoso demais, e em alguns casos, é visto até mesmo como inconsequente. Ele precisa ter sim algum apetite para o risco, porque a maior parte do tempo estará imerso em condições de incertezas. Mas o outro lado disso, e que leva ao sucesso sistemático, é justamente a capacidade de analisar e calcular os riscos que vai correr. Isso é menos romântico do que normalmente é proposto sobre o empreendedor, mas é uma realidade. Nesse sentido é que o excesso de coragem para os riscos pode levar a um estado de desperdício de recursos desnecessários ou mesmo a resultados de insucesso causados pela falta de análise e cálculo sistemático.
- Busca por aprendizagem: o empreendedor que não está aprendendo diariamente não terá um ciclo muito longo ou de ascensão no seu negócio. É premissa básica do empreendedorismo a aprendizagem constante. Porém esse conhecimento tem que estar direcionado, tem que estar mirando em algum propósito claro. Do contrário, a busca por aprender passa a ser um processo de gastos de recursos e não de geração de recursos. O excesso desse comportamento é talvez um dos mais difíceis de serem identificados e que possui os seus prejuízos mantidos de forma mais disfarçada. Sempre que o empreendedor se propõe a aprender algo novo, ele deve saber qual é o propósito e como esse novo conhecimento poderá agregar ao seu negócio.
- Planejamento: esse é um comportamento extremamente importante, complexo e mais raro. Em geral as pessoas têm dificuldade em planejar. A principal função desse comportamento é criar formas entrelaçadas de atingir os objetivos desejados. Contudo, esse comportamento exige habilidades complexas como, por exemplo, de dimensionar tempo, dimensionar esforços, dimensionar impactos. Exige muitas capacidades executivas. Além disso, é necessário estar em constante monitoramento dos resultados e do avanço plano, dosando as mudanças necessárias com flexibilidade e retidão. O excesso desse comportamento, no entanto, pode levar a um estado de paralisação. Se é difícil dosar a profundidade do planejamento antes de começar, é importante saber também a hora de finalizar o plano e executar.
- Busca por oportunidades: é difícil pensar que pode haver consequências negativas a partir do excesso de busca de oportunidades, mas existem. Normalmente, uma boa história empreendedora vai começar a partir de uma boa oportunidade. Entretanto, alguns empreendedores, após realizar algumas delas podem se prender num estado de excesso de oportunidades e poucas realizações. Esse é um desequilíbrio bastante comum e que gera consequências importantes – como o empreendedor passa a ser recompensado por identificar oportunidades, ele perde de vista a viabilidade das mesmas. É assim que a gente se depara com ideias muito utópicas, com projetos megalomaníacos e planos inviáveis por incompatibilidade entre recursos e objetivos. Além de situações em que o empreendedor tem uma ideia nova todos os dias, mas nunca consegue realizá-las. É preciso estar sempre atento às oportunidades, mas o excesso desse comportamento pode fazer o empreendedor se perder nos seus objetivos.
- Criação inovadora: principalmente no empreendedorismo para inovação, essa é uma habilidade muito importante. A inovação vai depender sempre de novas criações, da capacidade de encontrar respostas novas diante de velhos ou novos problemas. Mas o excesso de criação inovadora pode levar o empreendedor a querer inventar a roda o tempo todo, inclusive em circunstâncias que isso vai gerar pouco ou nenhum valor. Sendo assim, o propósito é que a criação inovadora esteja direcionada pela geração de valor potencial que ela tem, levando sempre em consideração o custo para essa nova criação.
- Rede: nenhum empreendedor vai fazer grandes feitos sozinho, e é fato de que ele vai precisar de um time nuclear, vai precisar de parceiros, fornecedores, clientes, entre outros. Mas o excesso de rede, ou dessa habilidade de interação, pode gerar quadros de dependência a estruturas maiores do que necessárias ou ainda a um número muito grande de parcerias que roubam recursos do negócio. Rede é importante demais e imprescindível, mas também deve ter papéis claros, formatos efetivos e constituir relações sustentáveis em que todos os envolvidos sejam beneficiados de forma equilibrada.
- Liderança: essa é uma das habilidades mais discutidas do século e, se tem algo que é consensual, é sobre o quanto ela pode ser poderosa. Em todos os contextos, formatos e estruturas essa figura vai aparecer numa posição importante. O fato é que é também uma das habilidades mais complexas e raras, além de ser multifacetada. Existem vários perfis, tipos, e caracterização para liderança, mas o excesso dessa habilidade pode levar o empreendedor à dominância, ao autoritarismo, ou criar ambientes em que há pouca escuta, insegurança e medo. Entretanto, a liderança deve estar direcionada para o outro, para a abertura a ouvir, para colaboração, para o direcionamento, proporcionando um ambiente em que as pessoas possam se desenvolver e queiram contribuir.
E para finalizar, mais uma dica
Ao se identificar com algum aspecto do texto acima, é importante que você possa refletir em duas direções:
- Tente entender quais foram as situações que te levaram a ter o excesso de algumas dessas habilidades empreendedoras, e identificar na sua trajetória quais momentos te fizeram pensar que eram habilidades importantes para realizar o seu empreendimento. Compare com o momento que você está vivendo agora e para onde quer ir. Veja se tudo realmente ainda faz sentido, se não, comece a considerar um processo de reaprendizagem e de mudanças.
- Olhe para o seu ambiente, ele sempre tem pistas importantes para você. Se algo está acontecendo com muita frequência, comece a investigar o que está acontecendo. Converse com as pessoas, tente escutá-las e as encoraje a te falar sobre o que você não tem conseguido ver sozinho.
E para finalizar, é importante dizer que esse é um processo contínuo e permanente. Da mesma forma que o projeto, a ideia e o negócio mudam ao longo do tempo, o empreendedor enquanto recurso humano precisará mudar também. E é nesse sentido que o autoconhecimento praticado de forma humilde e sistemática pode ser um de seus maiores aliados.
Quer saber como desenvolver as habilidades empreendedoras na medida no seu time e obter resultados de inovação? Escreva pra gente!